04 • maio • 2017

Negócio Social: Retalhar transforma resíduos têxteis em inovação socioambiental


NEGÓCIOS DE MODA – Uma busca rápida de definição da palavra PROPÓSITO no Google indica que se trata de um substantivo masculino cujos significados são: 1. intenção (de fazer algo); projeto, desígnio; e 2. Aquilo que se busca alcançar; objetivo, finalidade, intuito. Significados que em função do propósito estão ressignificando coisas e valores no mundo contemporâneo. E com isso, o propósito tem colocado em debate e dado vida a diferentes e criativos negócios relacionados ao universo da moda, como é o caso da Retalhar – empresa da Capital paulista, em atividade desde 2014, que aposta no conceito do Negócio Social para transformar resíduos de tecidos descartados em inovação socioambiental evitando esse acúmulos em aterros sanitários.

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Sentados da esquerda para a direita – Eloisa Artuso, co-fundadora e consultora da UN Moda Sustentável, Taise Beduschi do Grupo Malwee e Jonas Lessa da Retalhar foram os convidados do Fashion Revolution Talks comandado por Fernanda Simon – Foto: Dorival Zucatto

Um dos fundadores da Retalhar, o gestor ambiental Jonas Lessa foi um dos convidados do movimento Fashion Revolution Brasil – que entre os dias 24 e 30 de abril, promoveu uma série de encontros e debates em todo o país sobre a indústria da moda – para o Fashion Revolution Talks que colocou em discussão a “Economia Circular na Cadeia Têxtil”. O bate-papo fez parte da programação de um dos principais eventos da indústria têxtil e de confecções do Brasil, a FebraTêxtil e ocupou na noite do dia 25 de abril o espaço onde rolou o Fórum Árvore do Conhecimento do 1º Congresso Internacional de Moda e Tecnologia Têxtil (CIMTT).

Lessa começou sua participação tratando de uma reflexão sobre a palavra sucesso. O objetivo do encontro, segundo o Fashion Revolution Brasil era mostrar cases de sucesso para a grande indústria presente. “Estamos aqui para falar de sustentabilidade na indústria e para mostrar que ética e valores ambientais também são elementos possíveis quando falamos [da indústria] em maior escala”, afirmou Fernanda Simon, uma das representantes do movimento no Brasil.

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Jonas Lessa pouco antes de falar sobre a Retalhar e sobre as possibilidades do empreendedorismo capaz de gerar impactos socioambientais – Foto: Dorival Zucatto

“Quando me chamaram para falar, foi usado o termo ‘case de sucesso’ e comecei a refletir sobre o que é sucesso. Sucesso é algo muito relativo e a gente precisa ressignificar algumas coisas”, disse Lessa que antes de contar mais sobre o projeto Retalhar contextualizou. “Sou gestor ambiental e durante toda a minha formação, exaustivamente vários professores nos trouxeram como assunto o tripé que prevê a busca do equilíbrio entre o social, econômico e ambiental. Só que na prática isso não acontece. Vivemos em um grande sistema que é o meio ambiente, dentro desta sociedade e dentro de um subsistema que é a economia – o que na verdade é um mecanismo que serve para regular trocas. E aí que está a grande mudança, precisamos rever nosso conceitos a partir daí”, referindo-se ao dinheiro.

Lessa trouxe à tona questões econômicas, como a variação dos valores financeiros de produtos e serviços. E como o mercado deixou de cultivar valores para apostar única e exclusivamente no lucro. “O mercado não tem sentimento, não cultiva valores. Estamos sempre pensando, o mercado é assim ou assado. Mas na realidade ele não é, ele está. Estamos moldando o mercado para que ele seja assim. Cabe a nós moldá-lo e definir o que deve ter maior valor atribuído. Transações financeiras internacionais têm valor maior. E alguns economistas chamam essas transações de transações socialmente inúteis, porque não gera valor efetivo. Alguns dizem que esse é um valor que circula na espuma da onda. E a energia está na onda e tudo o que circula dentro dela”, explicou.

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Para Lessa só há dois caminhos possíveis para a mudança que é preciso promover no mundo. “Sermos proativos para reverter e equiparar a economia com o meio ambiente. Estamos no comando e podemos ver isso acontecer de maneira coordenada. Ou a gente continua fazendo como temos feito até onde der. Só que até onde der. A população se revolta e essa transição pode ocorrer devido a uma desordem social. O que vai ser súbito, brutal e mais impactante para todo o mundo. Ainda dá tempo de promovermos mudanças de forma organizada, mas tudo isso é urgente”, completa.

Urgência por mudança fez nascer o projeto Retalhar

Com base em tudo o que o gestor ambiental Jonas Lessa comentou no início de sua apresentação durante o Fashion Revolution Talks foi que surgiu a ideia de criar uma empresa que solucionasse um dos principais rastros deixados pela indústria da moda brasileira – os resíduos -, e consequentemente seus impactos. Sem uma política reversa efetiva, o que é descartado tem como destino aterros sanitários.

Segundo Lessa, a Retalhar começou dentro de uma confecção de recortes profissionais – a Lutha Uniformes – empresa do pai do biólogo marinho Lucas Corvacho, sócio de Lessa. “Começamos buscar formas de reaproveitar os resíduos produzidos lá mesmo. E então nasceu a Retalhar porque nós percebemos que havíamos resolvido o problema daquela confecção de pequeno porte, só que essa confecção era uma em um milhão. E esse problema tem se espalhado por todo o mundo. E não existe nada pronto que resolva o problema do resíduo têxtil. Percebemos o tamanho do problema e viemos articulando com vários atores, cooperativas e indústrias. Percebemos que há recursos disponíveis para serem usado em uma causa comum, mas esses recursos estavam isolados e cada um tentando fazer por si. O que fizemos foi criar uma central articuladora para a geração de sonhos”, afirmou.

O propósito deu origem ao Negócio Social

A Retalhar se constituiu em 2014 como uma empresa de impacto social e ambiental. Um negócio social – termo criado pelo economista e banqueiro de Bangladesh, Muhammad Yunus – vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2006. “O Estado tem muitas falhas para promover as transformações necessárias. E muitas ONGs [Organizações Não-Governamentais] não têm eficiência para solucionar problemas. Decidimos então usar as mesmas regras do jogo do mercado como foi dito, só que para outro propósito que na verdade não tem nada de tão revolucionário. Porque originalmente as empresas deveriam gerar valores para as pessoas dispostas a pagar por produtos e serviços. Mas as empresas se afastaram dessa premissa – em função do sistema – perderam valores sociais e ambientais com o exclusivo objetivo de gerar lucro”, disse.

O Negócio Social usa as mesmas ferramentas que o mercado tem usado. No entanto, o propósito não está em gerar o máximo de retorno para os seus acionistas. E sim gerar o máximo de impacto socioambiental. Neste caso, a Retalhar não lucra porque não trabalha em busca de “fins lucrativos”. Segundo Lessa, na prática, o lucro não é o fim e sim o meio. “Nosso fim é resolver o problema do resíduo têxtil. Hoje temos uma sede em São Paulo e conseguimos atender a região Sudeste [do país]. Conforme a gente lucra, aumentamos a qualidade, o que nos permite expandir territorialmente”, explica.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305 de 2010, estabelece uma hierarquia para o tratamento de resíduos: Retenção – evitar que o resíduo seja gerado. Redução – reduzir o máximo possível a geração do resíduo. Reutilização – se possível. Reciclagem – caso haja a possibilidade. E se não der para reciclar é proposta a queima do tecido, o calor deve ser aproveitado para gerar energia. E por fim o destino do resíduo deve ser o aterro sanitário. “Mas a gente vê que a prática comum é sempre o aterro sanitário. Não recebemos doação, somos prestadores de serviço do mercado. E atuamos com a logística reversa de resíduos têxteis. O consumidor compra determinado produto, que após utilizado perde utilidade, e é jogado fora – como se tivesse fora, não tem fora, está tudo dentro da nossa grande casa. E o nosso trabalho é coletar após o consumo e dar nova utilidade. Transformamos descarte de resíduos têxteis em inovação socioambiental. Trabalhamos a logística reversa de uniformes profissionais, empresas que querem proteger determinadas estampas, impedindo que esses resíduos sejam descartados em aterros o que gera inclusive doenças”, afirmou.

A Economia Circular promovida pela Retalhar gera impacto social ao contar com a mão de obra vinda das periferias de São Paulo. A empresa atua na reciclagem, reutilização e descaracterização do que não tem condição de ser usado. E o resultado são, entre outras coisas, uniformes profissionais, brindes e cobertores populares. “Parece que estamos nadando contra a corrente, mas existe um ecossistema interessado em fomentar o empreendedorismo social. Quem pensa empreender, uma das principais habilidades é a cara de pau, sair falando o que quer fazer. Eu vejo uma mudança acontecer”, completou.

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2 Respostas para "Negócio Social: Retalhar transforma resíduos têxteis em inovação socioambiental"

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