NEGÓCIOS DE MODA – Quem sonha empreender no Brasil e criar uma marca de roupas precisa estar preparado para os percalços do caminho. Mas, nem mesmo os mais atentos deixam de esbarrar em dificuldades. Taíse Cavasin Dalazen, 30 anos, que o diga. Após largar a carreira de psicóloga para se dedicar a um projeto de moda autoral, mesmo preparada a catarinense – que tem como proposta reutilizar tecidos descartados de grandes indústrias na confecção de suas peças -, se deparou com um enorme problema: a falta de informação sobre a composição química dos resíduos de tecidos destinados ao reaproveitamento.
“Esse tipo de loja que comercializa retalhos não fornece a descrição da composição dos tecidos, informação que preciso para confeccionar as etiquetas. Dessa forma, sinto que minha proposta de confecção responsável vai pro beleléu. Minha cunhada, por exemplo, tem uma pequena confecção e também é entusiasta do slow fashion, mas tem as mesmas dúvidas e dificuldades que eu nesse sentido de como fazer. Pelo que percebo nem as meninas que conheço que cursam moda sabem. É um assunto bastante complexo”, afirma a empreendedora.
Taíse tem razão ao dizer também que as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o destino dos resíduos têxteis na indústria da moda, mas ao mesmo tempo, dar um destino para esse resíduo esbarra em questões legais e burocráticas, como é o caso da obrigatoriedade das especificações nas etiquetas. “Sei da importância dessas especificações. Mas como fazer para respeitá-las quando se trata do uso de retalhos? Como fazer isso na prática? Tem que ter um jeito”, questiona.
Desde 1977, a informação da composição têxtil é obrigatória por força da Lei das Etiquetas, nº 5.956, de dezembro de 1.973, e seu Decreto Regulamentador nº 75074/74, ambos em vigor. De acordo com a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), em 2001 foram incluídos também como obrigatoriedades a razão social ou o nome ou a marca com o respectivo CNPJ, país de origem, tamanho e processos de conservação. Atualmente, a aplicação de etiquetas em produtos têxteis e de vestuário é obrigatória por força da Resolução nº 2 de 06/05/2008, do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO). A medida também padronizou as informações presentes nas etiquetas, tanto para os produtos comercializados dentro do Brasil, como para os que são exportados para países do Mercosul.
A resolução deve ser cumprida pela grande indústria, mas os pequenos e criativos negócios de moda não estão isentos dela não. Mesmo porque, independente de qualquer coisa, a composição dos tecidos é de suma importância. Vale ressaltar que a pele é o maior órgão do corpo humano. E esse órgão fica exposto o tempo todo às peças escolhidas para o cobrir. Segundo o médico Marcello Bossois, coordenador técnico do projeto social Brasil Sem Alergia, em publicação do Diário de Sorocaba, existem alguns fatores na vestimenta que podem desencadear alergias dermatológica e até respiratória. Ele explica que tecidos sintéticos como lycra e poliéster, de forma geral, causam mais alergia do que fibras naturais como o algodão. Uma cartilha do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) também destaca essa e outras questões. Para que o cliente final possa escolher por fibra A ou B é necessário que essa informação esteja na etiqueta, direito previsto na lei.
O Moda Sem Crise procurou um dos mais inovadores projetos voltado para o aproveitamento de resíduos têxteis, o Banco de Tecido, cuja sede fica em São Paulo para saber como a entidade lida com tal questão. O banco recebe depósitos de tecidos – que é a moeda corrente – e em troca seus correntistas podem sacar outros tecidos disponíveis. Além disso, esses mesmos resíduos estão também à venda e podem ser adquiridos por qualquer pessoa interessada, ainda que não seja correntista do banco. A solução proposta por Lu Bueno, fundadora do Banco de Tecido é brilhante e merece todo o reconhecimento e oportunidade de desenvolvimento. Mas, assim como a modelista Taíse, moradora de Florianópolis (SC), o projeto da Capital paulista vive o mesmo desafio para saber e especificar os compostos das fibras. Mas, não permite que os resíduos saiam sem as especificações têxteis.
“Quando o tecido chega em maior quantidade, a composição vem com a ficha técnica. Mas acontece de recebermos sem acompanhamento técnico. Para solucionar usamos o conhecimento do que a gente sabe, seja queimando ou sentido pra saber o que é, analisamos baseado em conhecimentos prévios. E estamos em contato com o Senai (São Paulo) para tentar conseguir uma parceria justa”, explica a idealizadora do banco.
Lu Bueno é quem dá a dica. Uma solução para conseguir a informação necessária para o cumprimento da lei é a análise têxtil. O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de São Paulo oferece o serviço. O Laboratório de Ensaios Têxteis/Vestuário (LANTEVE) que fica na unidade Francisco Matarazzo, no Brás, região central, conta com uma série de análises, desde ensaios de costurabilidade – que envolve a aferição de máquinas de variadas costuras – passando por ensaios de controle de qualidade em materiais têxteis para confeccionados – costurabilidade, lavagem e passadoria – até chegar aos ensaios têxteis – em que são testados diferentes aspectos , além dos ensaios não acreditados – serviço permite a avaliação de produtos confeccionados, utilizando padrões de qualidade internos da empresa solicitante em que são avaliados acabamentos, por exemplo.
“Esse é um serviço para onde manda-se a amostra do tecido para análise e cobram o valor por fibra. Mas fica alto o custo para uma marca sustentável que vende pouco e que compra por demanda só o tecido que precisa. Fica inviável. Venho tentando conseguir uma valor especial para o Banco. A lei exige a etiqueta na roupa. Há também toda uma questão de contato com a pele. Mas é inviável para quem está fazendo a roupa uma a uma arcar com esse custo. E não temos por onde correr porque é a lei”, comenta Lu.

Banco de Tecido busca solução e se preocupa em vender resíduos e peças de tecidos acompanhados das indicações têxteis – Foto: Reprodução Facebook Banco de Tecido
O custo do serviço é estipulado de acordo com a quantidade de fibras que o tecido tem. Segundo o Senai-SP, a análise de até duas fibras é feita por R$ 130, três fibras, o valor sobe para R$ 160, e até quatro fibra, o custo é de R$ 250 – normalmente o número de fibras em um tecido não ultrapassa esse número. Ainda de acordo com o Senai-SP, a amostra pode ser enviada para o laboratório a partir de qualquer distância. Então é feito o orçamento. Após autorizada, os técnicos começam a análise. O resultado saí em média em cinco dias – prazo que pode variar de acordo com a demanda.
Um dos mais importantes polos da indústria têxtil do Brasil, o Estado catarinense conta com o mesmo serviço. Segundo Aloísio Gottardi, do Senai Blumenau, na unidade são desenvolvidos ensaios para identificação de fibras utilizando normas NBR 13538 / NBR 11914 e AATCC 20 e AATCC 20A, respectivamente com procedimento via química (dissolução) e via fogo (queima e resíduos) e microscopia (aumento de imagem) com vista longitudinal e vista transversal, quando necessário. Os preços são: para produtos constituídos de uma fibra R$ 85, duas fibras R$ 99, três fibras R$ 110, quatro fibras R$ 130, e mais de quatro fibras R$ 190, por amostra. A aferição/comparativos podem ser feitos por intermédio de ensaios em outros laboratórios que possuam o sistema ISO/IEC 17025 implantado como o LANTEVE. E da mesma forma, as amostras podem ser enviadas.
Então a responsabilidade é de quem?
Uma distância de 100 kms separa as cidades de Florianópolis e Brusque, no Estado de Santa Catarina. A viagem via BR 101 demora em média 1h36 minutos. E esse é o tempo dedicado e distância percorrida por Taíse Cavasin Dalazen, sempre que é preciso sair em busca de resíduos de tecidos para sua produção. Segundo a modelista, a cidade oferece os produtos têxteis que precisa, no entanto, a indicação das fibras que devem constar em suas etiquetas não. “Aqui perto de Floripa, na cidade de Brusque, tem uma loja de tecidos que revende sobras das grandes confecções da região. E essas sobras vão desde rolos até retalhos de vários tamanhos. Mas, esse tipo de loja, que comercializa retalhos, não fornece a descrição da composição dos tecidos, informação que eu preciso para confeccionar as etiquetas”, disse Taíse referindo-se à JMG Malhas e Tecidos. A reportagem procurou a empresa por meio do whatsapp em fevereiro. No entanto, a empresa não respondeu ao questionamento.
Segundo Karine Liotino, CEO da Etiqueta Certa, é obrigação do designer informar em suas etiquetas sobre as fibras ou filamentos têxteis reais. E é proibido omitir a denominação das fibras, enunciar fibras ou filamentos têxteis que não constem no produto ou designar uma fibra ou filamento têxtil quando deveria designar outra.
COO da empresa Etiqueta Certa, Mariana Amaral explica que quem vende resíduos têxteis tem a obrigação de dizer o que está vendendo. “Quem compra não tem que arcar com custos de análises. Se um fiscal for onde esse profissional está comprando, essa empresa que não informa a composição têxtil, pode ser multada. O que sugiro é: exija a composição. Ela [empresa que vende o tecido] precisa seguir a resolução de etiquetagem. E quem compra pode fazer essa denúncia ao IPEM [Instituto de Pesos e Medidas]. Se a etiqueta da roupa estiver com uma informação errada, quem vai ser multada é o designer. O principal é instruir as obrigações como marca, mas é preciso saber que ao comprar tecidos, seja resíduos ou peças, deve-se sim exigir que a empresa passe essas informações”, afirma Mariana que explica ainda que tecidos com menos de 4 metros são considerados retalhos, acima disso são tidos como peça. E que mesmo retalhos devem contar com indicação de fibras têxteis.
Para Mariana, embora a legislação que regulamenta a criação de etiquetas exista há tempos, a indústria ainda paga por erros. “Existem muitos erros de interpretação e o resultado são as multas. Um levantamento de 2015 aponta que foram aplicadas mais de 80 milhões de multas no setor têxtil no Brasil. A Lei das Etiquetas é um ponto importante. Vejo muitas empresas pequenas, médias e grandes levando multas. É uma questão que atinge a todos, na tecelagem, na malharia, nas confecções e, principalmente, quem está na ponta, ali perto do consumidor.”
Empreendedoras investem em plataforma de adequação de etiquetas
Justamente para prestar suporte técnico que Mariana Amaral – que soma mais de seis anos no mercado de monitoramento das normas técnicas e certificações nacionais e internacionais do setor têxtil e de confecções-, em parceria com a sócia Karine Liotino – que por sete anos atuou no gerenciamento de projetos de gestão da inovação e sustentabilidade na indústria têxtil e de confecção – criou em agosto de 2016, a empresa Etiqueta Certa. O que a dupla de empreendedoras propõe é a adequação de etiquetas de forma simples e rápida. O serviço é oferecido por meio de uma plataforma inteligente. Todo o processo é feito de forma online. O plano é por assinatura e o custo é de R$ 124,90 por mês. O cliente tem direito a geração ilimitada de etiquetas adequadas nas conformidades da Lei, além de todo o suporte técnico. “Desenvolvemos um sistema com poucas chances de erro, porque as etiquetas só são geradas após o cliente preencher corretamente todos os campos. Em breve vamos oferecer também serviços laboratoriais de análises técnicas. Vamos entrar neste segmento sim. Mas, por enquanto, o foco é a informação e inteligencia para gerar a etiqueta padrão“, completa Mariana.
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