19 • dezembro • 2016

Do indizível ao trivial: Clarice Lispector escreveu sobre moda e comportamento


ESPECIAL – Este mês a escritora Clarice Lispector completaria 96 anos. Dezembro também é o mês de seu aniversário de morte. Há 39 anos ela partia, deixando além da tristeza entre amigos, familiares e fãs, oito romances, uma novela, e inúmeros contos e crônicas.

Pela dramaticidade e profundidade de sua obra, Clarice foi e é considerada a escritora do indizível. Aquela que usa as palavras para falar das entranhas da alma humana. Mas, você sabia que ela também escreveu sobre moda, beleza, comportamento e até mesmo sobre cuidados com o ambiente doméstico?

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Clarice Lispector (1920-1977) no início dos anos 1940, quando cursava Direito Foto: Acervo Instituto Moreira Salles

Esses textos eram feitos para páginas femininas de jornais do Rio de Janeiro e são pouco conhecidos, mesmo entre leitores mais assíduos da obra clariceana. Foram trabalhos que a escritora manteve em diferentes períodos de sua vida.

Para essas produções, Clarice utilizava pseudônimos (nomes fictícios), além de ter sido ghost writer (em português, “escritor fantasma”, como são chamados os profissionais que escrevem para que outras pessoas assinem a produção), assinando com o nome de uma atriz brasileira famosa nos anos 1950 e 1960.

Entre mulheres

A primeira página que Clarice Lispector escreveu para o público feminino foi a “Entre Mulheres”, publicada pelo jornal Comício, em 1952. Nela, a já consagrada escritora era Tereza Quadros.

De acordo com a especialista na produção jornalística de Clarice e professora na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), em Minas gerais (MG), Aparecida Maria Nunes, tratava-se de uma página repleta de fotos de moda, com modelos de costureiros famosos de Paris (França), como Christian Dior e Jacques Fath, além de muito capricho na diagramação, que era criada pela própria escritora.

“Muito viajada, principalmente por acompanhar o marido diplomata em estadas em diferentes países, Clarice tinha vários livros internacionais a partir dos quais se informava para as dicas de moda”, afirma Aparecida, autora do livro Clarice Lispector jornalista – Páginas Femininas e Outras Páginas, e também organizadoras das publicações Correio Feminino e Só para Mulheres, com textos extraídos das colunas femininas feitas pela escritora.

Além disso, havia textos sobre casamento, maternidade e cuidados com a casa, para os quais ela mantinha uma abordagem que aproximava a leitora, assumindo um papel de conselheira e confidente.

Correio Feminino

Mais tarde, entre 1959 e 1961, Clarice Lispector assume outra página feminina: Correio Feminino, veiculada no jornal Correio da Manhã, assinada com o pseudônimo Helen Palmer.

Seu perfil se assemelhava ao da Entre Mulheres em alguns temas. Porém, a abordagem de imagens e textos de moda é menos frequente. A diagramação também não é tão elaborada quanto à da publicação anterior.

Página feminina do Diário da Noite 

Em 1960, ou seja, em um período intermediário entre as produções para o Correio da Manhã, a escritora foi ghost writer, escrevendo em nome da atriz Ilka Soares  para o jornal Diário da Noite.

A página se chamava “Só Para Mulheres”. Nela, Clarice também usava linguagem confidencial e íntima, o que era, de acordo com a pesquisadora Aparecida Maria, um requisito fundamental para os propósitos da coluna. A leitora deveria se sentir próxima da vedete da época.

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A escritora ucraniana, que se dizia brasileira e nordestina, produzia páginas femininas em jornais cariocas. Essa é uma de suas páginas da época em que escreveu como ghost writer da atriz Ilka Soares – Imagem do Acervo de Aparecida Maria Nunes

O empoderamento por trás das produções

As produções focadas em moda, beleza e cuidados com o lar podem soar um tanto alienadas diante da amplitude de direitos e possibilidades de atuações sociais das mulheres.

Enquanto Clarice escrevia as colunas como Helen Palmer e Ilka Soares, por exemplo, foi criada a pílula anticoncepcional, na metade da década de 1950. Já em meados dos anos 1960, o movimento feminista contemporâneo surgiu nos Estados Unidos e já dava sinais de que se alastraria por outros países.

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Livros que reúnem coletâneas de textos produzidos por Clarice durante o tempo em que colaborou com a imprensa brasileira. Correio Feminino traz produções da sua fase inicial; Só para Mulheres conta com mais de 290 textos de assuntos como, conselhos de sedução, moda, beleza, economia doméstica e receitas culinárias; e Clarice Lispector organizado por Aparecida Maria Nunes em que traça um panorama do jornalismo brasileiro a partir da produção de Clarice para a imprensa – Imagens: Editora Rocco

Na opinião de Aparecida, o que a escritora levava para as páginas femininas seguia pré-requisitos de publicações do gênero da época. “Na verdade, Clarice era uma mulher que se assumia, a exemplo da coragem que teve ao se divorciar e voltar para o Brasil com os dois filhos, em 1959, quando o preconceito com mulheres separadas era ainda maior que atualmente. Isso mostra seu entendimento do poder sobre si e direito enquanto mulher.”

E essa mulher empoderada, extremamente sensível em sua produção literária, dava as caras nas linhas e entrelinhas das publicações para a imprensa feminina.

Isso é bem ilustrado em um texto em que a escritora, enquanto Helen Palmer, coloca-se numa posição de educadora e de crítica aos padrões midiáticos impostos às mulheres.

“Ela disse: ‘não seja uma cópia carbono. Isso, no fim dos anos 1950 para o início da década de 1960, é algo que vai contra o que outras publicações femininas estavam fazendo, onde era comum ver as dicas de como ser como as artistas famosas”, argumenta Aparecida, que considera que, nessa ocasião, Clarice entrou na questão do empoderamento da mulher com seu corpo e estilo.

Em outro texto, assinado como Tereza Quadros, o assunto era um Tailleur e Clarice descrevia o traje, dando dicas sobre ele. Em um dado momento ela escreve: “são os detalhes quase imperceptíveis que formam o conjunto”. Segundo Aparecida, trata-se, claramente, de uma máxima de Clarice Lispector.

Assim, Clarice mostrava que sua produção era funcional para o dia a dia das mulheres, porém, não estava impregnada da futilidade comum às publicações do gênero. “Ela estava presente o tempo todo, lançando inquietações à leitora”, diz a pesquisadora.

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