A questão do gênero vem sofrendo profundas transformações dentro da sociedade global. Temos um aumento de discussões referentes às liberdades, direitos e deveres historicamente distribuídos aos gêneros ao longo dos anos. E com o surgimento de novas tecnologias de informação e comunicação, aliados ao fenômeno da globalização e da chegada das gerações “Millenial” e “Z” ao mercado de trabalho, podemos notar reflexos dessas discussões na maneira como consumimos, principalmente, a moda.
É para trazer os insights e tendências deste novo cenário que a Malha – movimento por uma moda mais sustentável, colaborativa, local e independente – desenvolveu, em parceria com o Instituto C&A, o relatório “O Poder do Gênero”. O documento aborda os impactos das demandas de consumidores por uma maior fluidez de gênero, por empoderamento feminino (considerando inclusive a pluralidade dentro do movimento feminista) e por um novo modelo de masculinidade (‘não’ repressor e patriarcal); além de analisar a influência das mídias sociais e tecnologias na construção da nova forma de enxergar os gêneros.
Por fim, o relatório também reflete sobre os impactos destas demandas dentro da indústria da moda, mapeando novas oportunidades para o setor e incentivando as empresas a repensarem suas linhas, refletindo sobre como a produção deve se guiar para conversar com as próximas gerações e gerar uma nova moda libertadora – para todas as pessoas.
1. A nova onda do Movimento de Mulheres
O movimento feminista não é um fenômeno do século XXI: diversas ações em prol dos direitos das mulheres ocorrem desde há séculos e ganharam força com o passar dos anos, chegando ao ápice no século XX.
Em termos de Moda, o movimento feminista também influencia grandes mudanças no consumo há mais de um século: como quando Coco Chanel lança linhas de ternos para mulheres, questionando o masculino e o feminino e libertando as mulheres das cinturas marcadas, saias e espartilhos; ou quando, nos anos 60, temos o advento da minissaia; ou mesmo nos anos 2000, com o advento da moda “Sex and the City” valorizando a independência feminina e a hiperfeminilidade.
Porém, é a partir dos anos 2010 que podemos notar o desdobramento destes movimentos de mulheres e feministas, abordando diferentes tipos de corpos, vivências e padrões. O feminismo passa a trazer outros marcadores sociais, como raça, sexualidade, etnicidade, território, mostrando que ser mulher é se valer de uma gama plural de possibilidades, que devem ser atendidas e contempladas pelo mercado, por políticas públicas, por relações sociais.
Por isso, a moda pensada para o público feminino deve abordar uma visão interseccional, que incentive a mulher a se ressignificar por meio da resistência e da afirmação de poder. E com mais mulheres ocupando cargos públicos, o feminismo tende a afetar inclusive a indústria da moda – que passa a se preocupar tanto com o tipo de produto destinado ao consumidor, como em melhorar a qualidade de vida das mulheres que trabalham na indústria, ascendendo-as na cadeia de valor.
2. Fluidez de Gênero
A indústria da moda sempre abordou a questão de gênero de forma vanguardista. Por essa razão que a moda é uma das primeiras a abraçar os novos paradigmas de gênero que se constroem ao longo do século XXI.
Entendendo gênero como uma construção social, a moda descortina o leque de opções, podendo criar para muito além do modelo binário e da “normalidade” homem-mulher imposta.
Abre-se aqui o mercado para a absorção dos públicos LGBTQIAA, com criações para indivíduos cis, trans, não-binários; e a partir de uma moda agênero ou mesmo mais fluida, sem demarcação de divisórias. O relatório demonstra que, entre a geração Z, por exemplo – considerado “mercado do futuro” –, o desejo de experimentar novas possibilidades identitárias é grande.
A criação desta nova moda mais fluida colabora também para um importante e significativo movimento cultural: a abolição do masculino padrão, com regras e normas que reprimem não só homens e meninos, mas também mulheres, todos presos a um ideal nocivo e tóxico de masculinidade. A moda agênero questiona a masculinidade “padrão”, abrindo espaços para discussões e alimentando a esperança de que as marcas criem, cada vez mais, coleções que saiam do padrão normatizado, abrangendo novos consumidores e criando um clima de aceitação e empatia entre os consumidores.
3. Revolução Tecnológica, Distopia e Utopia de Gênero;
O advento e a popularização das mídias sociais trouxeram uma realidade complexa e até mesmo contraditória. Por um lado, temos a abertura para a manifestação de diferentes visões de gênero e sexualidade, com a possibilidade de encontrarmos em diversos lugares do mundo indivíduos que compartilhem de um mesmo pensamento. Por outro, temos o reforço dos preconceitos, em ataques virtuais com alto poder de virulência, protegidos pelo anonimato das redes. É a dupla realidade, utópica e distópica, tudo ao mesmo tempo.
Isso faz com que os ambientes das discussões, tendências e debates em torno da moda sejam permeados de realidades conflitantes.
O relatório também aponta como a análise de dados, desprovidas de um código de ética natural, podem reproduzir e absorver os preconceitos. Bots, apps e algoritmos vêm perpetuando estruturas de poder. É urgente a necessidade de nos apoderarmos desses meios, inclusive com a discussão de como a Inteligência Artificial deva ser conduzida e utilizada.
Os movimentos de ciberativismo e ciberfeminismo estão atentos à reprodução dos comportamentos. Diversos casos de assédio sexual às assistentes pessoais (Siri, Cortana, Alexa) assim como assistentes “femininas”, sempre de voz tranquila, prestativas e subservientes, mostram como procurar alternativas de combate e ocupação dos espaços é necessário. A criação de apps e linguagens que abracem a causa da igualdade de gênero já é uma realidade e a moda deve se inteirar das novas possibilidades.
Clique neste link para baixar o relatório na íntegra: O Poder do Gênero
Com informações da Malha e Instituto C&A