12 • janeiro • 2018

Projeto de Vida: Sobre adolescentes (e adultos) extraordinários


Chegar a vida adulta sem passar pelas crises existenciais da adolescência em uma sociedade cuja cultura influencia fortemente padrões estéticos e que exclui de forma covarde os que não se encaixam em tais exigências, não é tarefa das mais fáceis. A adolescência é uma fase marcada por transformações físicas e psicológicas. E isso, por sí só, já é algo a ser levado – e muito – em consideração. Pensando justamente nisso, professores da Escola Estadual Educador Pedro Cia, em Santo André, no ABC Paulista, decidiram unir esforços para promover a aceitação e fortalecer a autoestima de estudantes. Pautados por uma disciplina chamada “Projeto de Vida”, durante o 2º semestre de 2017, os alunos de quatro turmas do 1º Ano do Ensino Médio tiveram a chance de se abrirem para novas trajetórias pessoais e possibilidades.

Como pano de fundo, Juliana Robim, professora de História, Carla Rehder, professora de Educação Física, Sônia Padoim, professora de Sociologia, e Rodolfo Ginese, professor de Português, usaram o best-seller “Extraordinário”, de R. J. Palacio. O livro adaptado recentemente para o cinema e que está em cartaz em território nacional, tem direção de Stephen Chbosky e conta a história de August Pullman, carinhosamente chamado de Auggie. O garoto fã de “Star Wars” se destaca por sua inteligência. Mas Auggie também chama atenção por sua aparência em função de uma grave deformação facial – coisa que o afasta do convívio social até aceitar deixar de ter aulas individuais em casa para encarar o desafio de estudar em uma escola.

De forma bastante leve, a obra convida para reflexões e discussões que afetam diretamente essa fase da vida. Juliana Robim, professora também responsável pela disciplina Projeto de Vida conta que ao ler o livro percebeu a importância de levá-lo para a sala de aula. “Achei super pertinente trabalhar o livro, já que traz questões de autoestima e relações interpessoais. Além disso, um dos grandes problemas que enfrentamos com nossos alunos é a ausência do hábito de ler”, conta a professora que enxergou em Extraordinário linguagem e enredo apropriado para incentivar a leitura entre os alunos. “A importância de incluir essa atividade [ao planejamento escolar] foi tão grande que estou de mudança, saindo da escola, mas os outros professores envolvidos vão continuar com o trabalho. A matéria-prima do Projeto de Vida é o sonho. E sem autoestima não há sonho. Não há motivação e eles deixam de acreditar que são capazes de realizar”, diz.

Extraordinário aponta para essa direção. “O garoto tem a deficiência. Mas mesmo independente disso ele é brilhante em alguma coisa. Todo mundo tem algo de extraordinário. E esse projeto foi incrível e maravilhoso neste sentido por valorizar a individualidade e a peculiaridade. Somos diferentes e é isso que nos torna extraordinários.”

Carla Rehder abordou os padrões de beleza com o objetivo de quebrar paradigmas e desmistificar o olhar preconceituoso, ainda tão comum hoje em dia.  “É necessário que se tenha um olhar individual para cada aluno, saber das suas necessidades e de seus desejos para que possamos enquanto educadores incluí -los em uma sociedade mais justa e humana”, afirma.

O caminho adotado por Carla incluiu mostrar aos alunos o quanto os padrões se modificaram com o passar dos anos. E o quanto esse conceito de ‘modelo a ser seguido’ continua enraizado na sociedade. Durante as aulas, a professora estudou tais transformações, sobretudo, influenciando o aceitar a si e o outro, valorizando o interior e também o exterior de cada um. “Acredito que a aula precisa ir além das paredes da sala de aula. Quando isso acontece o resultado é mais perceptível, pois as famílias passam também a ter uma visão crítica e emancipadora dessa tal realidade”, afirma ela que explica que o envolvimento como um todo é papel fundamental. “É muito importante para que todo o conhecimento ganhe força, pois os alunos passam a verificar que todos nós temos algo em comum, sejam em suas perspectivas futuras ou mesmo em um detalhe humano. Essa transformação é sentida quando continuamos as aulas e a postura ou conduta diante das opiniões se modificam. Com isso, ganhamos um aluno altruísta, capaz de sentir a necessidade que ampara cada um de nós.”

Mudança que pôde ser vista, por exemplo, por meio de Kemyne Azevedo, 16 anos. Que depois de viver esse furacão chamado “Projeto Vida” teve coragem de se abrir para o novo. Kemyne conta que o trabalho feito em sala de aula com o livro Extraordinário serviu como semente. E que o processo incluiu a ajuda de sua amiga Júlia. “Ela me fazia olhar todos os dias no espelho e comentar o que eu via. Na primeira semana não foi bom, chorei e queria correr dali.  Mas ela insistiu e continua nisso.” Tudo isso mexeu com a jovem que hoje pratica outro olhar.

MSC na Escola e seu 1º desafio: Provocar outro olhar

O Moda Sem Crise teve o prazer de fazer parte do “Projeto de Vida” dos alunos de 1º Ano da Escola Estadual Educador Pedro Cia. Na manhã de 4 de setembro, atendendo ao convite das professoras Juliana Robim, Carla Rehder, Sônia Padoim e do professor Rodolfo Ginese estivemos na escola para bater um papo sobre amor próprio e autoestima. Foi uma experiência de troca e um momento ímpar.

Em função do horário, o plano era visitar apenas duas turmas. Mas aceitamos estender o horário e ficar para então conversar com a 3ª turma. Fomos recebidas com tanto amor e carinhos pelos profissionais de ensino e por seus alunos, que não tinha como dizer não. Foi então que o destino nos colocou diante de Kemyne Azevedo.

A roda de bate-papo começou e não demorou para ouvir a negativa da Kemy. Extraordinária e linda, a estudante afirmou categoricamente não enxergar qualquer beleza. Diante do choro, o desafio. De provar por A + B todo o seu equívoco.

Passado algum tempo, dia 6 de janeiro de 2018, e com o aval de sua mãe, Priscila Azevedo, voltamos a Santo André para fotografá-la. Tem uma frase da fotógrafa norte-americana Dorothea Lange (1895-1965) que cabe exatamente nesta fala: “A câmera é um instrumento que ensina as pessoas a ver sem a câmera”. E de forma bastante simples, foi o que propomos a Kemyne.

Tivemos o apoio da professora Juliana Robim e de Luciana Meneghetti. Aline Elen topou nos ajudar com os registros. Elaine assinou a maquiagem e mostrou a ela como ousar com seus cachos crespos e dourados. E o cenário que nos abraçou foi a Casa do Olhar Luiz Sacilotto. Espaço que nos recebeu de braços abertos. E que conta com uma agenda que envolve palestras, workshops, exposições, cursos, debates que se afinam ao pensamento contemporâneo. A Casa do Olhar ocupa o imóvel construído em meados da década de 1920 oficialmente desde novembro de 1992. E seu acervo conta com obras de Luiz Sacilotto, um dos mais relevantes artistas de Santo André.

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

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Foto: Aline Elen Make + Cabelo: Elaine Paiva

“O ensaio foi algo fantástico para mim. Eu não tenho palavras para explicar a sensação naquele momento. Me sentir daquele modo foi algo incrível. E quero continuar me sentindo assim, quero continuar assim, foi maravilhoso”, nos disse Kemy.

“A moda parece tão distante para nós. Quando se fala em moda, a gente logo pensa na moda das passarelas, com aquelas modelos esquálidas desfilando coisas que jamais teremos dinheiro para comprar. Mesmo porque estamos falando de uma escola inserida em uma realidade de periferia de uma grande cidade, onde boa parte dos alunos estão inseridos numa camada social menos favorecida. O resultado [do encontro em setembro com as turmas] foi tão positivo que no albúm de fim de ano, eles colocaram fotos do dia em que o Moda SEm crise visitou a escola. Falaram várias vezes. Comentaram. Percebi a mudança individual. A própria Kemyne que está fora dos padrões que a gente consome se permitiu. Ela e outras meninas. Principalmente as meninas. Porque é vida é muito hostil com as meninas. A vida é muito mais difícil com as mulheres. As pessoas falam que essa coisa de empoderamento está batida. Mas é super necessário. Temos que dizer sim a elas: Você é poderosa a seu modo. Você é linda. Você pode!”, relatou a professora Juliana.

Kemyne e a professora Juliana durante ensaio na Casa do Olhar – Foto: Aline Elen

A ação deu o pontapé inicial ao projeto MSC na Escola.  Em setembro saímos do Pedro Cia naquele tão envolvidas com tudo o que nos aconteceu que isso só ampliou o entendimento de que para transformar o futuro, temos que começar tocando os corações de quem estará lá. O objetivo é levar mais do que informação. É possibilitar momentos realmente revolucionários na vida de alunos da rede pública de ensino todos tão extraordinário quanto os que tivemos a alegria de conhecer em Santo André. A todos os envolvidos no nosso MUITO OBRIGADA!

 

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“Deveríamos ser lembrados pelas coisas que fazemos. Elas importam mais do que tudo. Mais do que aquilo que dizemos ou do que nossa aparência. As coisas que fazemos sobrevivem a nós. São como os monumentos que as pessoas erguem em honra dos heróis depois que eles morrem. Como as pirâmides que os egípcios construíam para homenagear os faraós. Só que, em vez de pedra, são feitas das lembranças que as pessoas têm de você. Por isso nossos feitos são nossos monumentos. Construídos com memórias em vez de pedra”. Portanto, “quando tiver que escolher entre estar certo e ser gentil, escolha ser gentil”, com você e com os outros. (Frases do livro Extraordinário)

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