05 • abril • 2017

Picolé de Groselha


MESA CORRIDA – Aos três anos de idade, eu prendi o dedo da mão na porta do banheiro e perdi a unha do mindinho. Doeu muito! Mas a minha primeira grande dor na vida, eu só conheci um ano depois, quando fiquei sabendo que meu tão amado avô, não era meu avô biológico. “Aquele não é seu avô de verdade”, me contou alguém infeliz demais pra medir palavras ou respeitar a decisão dos meus pais de deixar essa verdade para mais tarde. Eu, tão pequenina, saí pela casa (que estava cheia de gente se preparando para o casamento do meu tio) num choro desesperado, querendo que alguém me dissesse que aquilo era mentira. Mas não era. Não conseguia encarar meu avô, porque tinha vergonha misturada ao sofrimento. Então, caí no colo dos meus pais, cobrando explicação para o que, naquele momento, era incompreensível pra mim.

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Foto: Pixabay

Depois de uma longa conversa que parecia em vão, pois eu estava irredutível na minha tristeza e indignação, meu pai partiu pra negociação. Foi aí que eu troquei o choro por um picolé de groselha – o meu preferido na época. Na sorveteria, aos poucos, a delícia gelada e vermelha, de gosto ácido e doce ao mesmo tempo, reanimava a menina que seria dama de honra em poucas horas. Quando eu terminei, já era uma criança preparada pra encarar uma nova realidade.

A partir de então, o picolé de groselha tomou outro significado pra mim: o de acalanto, afeto e conforto. Claro que ele não foi a solução em si, mas foi o acompanhamento do carinho e das palavras doces do meu pai que acalmaram meu coração. Toda vez que me recordo daquela passagem ainda no meu início de vida, me lembro do tal picolé e vice-versa.

Com o tempo e algumas sessões de terapia, eu entendi que o que me magoou não foi o fato de meu avô não ser o biológico.  Na verdade, isso é um mero detalhe que não altera o amor que eu sinto por ele, nem a intimidade e cumplicidade que temos. O que me machucou de verdade foi a desconstrução da minha própria história, embora ela tivesse sido breve até então. Eu de olhos vendados para uma verdade que era minha.

Mas essa não foi a última vez que eu me senti assim. Voltei a ter a sensação de “olhos vendados”, seja pelas mentiras ou verdades mal contadas, seja pela minha própria ingenuidade. E sempre que acontece dói muito. Mas, nunca não tenho dúvidas de que tudo ficará bem, pois meu pai estará sempre me esperando com um picolé de groselha.

Picolé de groselha

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Foto: Suellen Andrade

Ingredientes:

3 xícaras de água – 2 xícaras de groselha (ou 150ml de xarope de groselha) – 2 colheres de sopa de leite em pó – 3 colheres de sopa de açúcar –  ½ colher de chá de liga neutra

Modo de Preparo:

Bata tudo no liquidificador por, aproximadamente, 12 minutos. Despeje a mistura em forminhas próprias para picolé, posicione os palitos e leve ao congelador ou freezer até endurecer.

+ Suellen é autora do blog “Encontrei Babette“ onde publica crônicas recheadas de conceitos gastronômicos e experiências gustativas com uma boa pitada de poesia.

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Suellen Andrade

Suellen Andrade

>>> Mineira, amante de bolo, café e um dedo de prosa. Jornalista e gastrônoma, ambos por formação e paixão. Suellen Andrade trabalhou como repórter e editora de TV e jornal impresso. Também atuou na área de assessoria de comunicação até descobrir seu lugar na cozinha. Ao lado da mãe, doceira e inspiração, comandou a Feito de Açúcar, ateliê de bolos e doces, em Juiz de Fora (MG). E em São Paulo se dedicou à Padoca do Maní. Autora do blog “Encontrei Babette”, Suellen foi também colaboradora do Moda Sem Crise, e em 2017, assinou a coluna “Mesa Corrida”.



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