Daca, capital de Bangladesh, 24 de abril de 2013. Esse foi um dia marcante na história da moda. E não por se tratar do lançamento ou desfile da coleção do século. Mas sim pela tragédia causada pelo desabamento do edifício Rana Plaza. O prédio abrigava dezenas de confecções. E o acidente terminou com mais de 1100 trabalhadores mortos e mais de 2500 gravemente feridos. O desastre fez com que o mundo enxergasse o que acontece nos bastidores da cadeia de produção de moda. Foi também nesse contexto que surgiu o movimento global Fashion Revolution. A iniciativa nasceu em Londres, Reino Unido, no mesmo ano, mas já está presente em mais de 90 países, inclusive no Brasil – que tem atuação bastante dinâmica e crescente. O objetivo do Fashion Revolution é questionar e discutir os impactos da indústria na vida das pessoas enquanto luta pela transformação do mercado fashion.
Em abril 2018, o movimento realiza a campanha “Cinco anos após o Rana Plaza”. E aponta os dados da ação que cobra transparência das marcas em todo o mundo e os avanços conquistados até aqui. De acordo com a equipe Fashion Revolution Brasil, em 2017, 2,5 milhões de pessoas se envolveram com o movimento. E mais de 100 mil pessoas questionaram nas redes sociais usando a hashtag #whomademyclothes (em português #quemfezminhasroupas). Ao todo, 2416 marcas responderam à hashtag e compartilharam informações sobre a sua cadeia produtiva. Mais de 150 grande marcas publicaram onde são feitas suas roupas. Mais de 3600 profissionais também responderam #imadeyourclothes por meio das postagens nas redes sociais. Desde a tragédia no edifício Rana Plaza, mais de 1300 fábricas foram inspecionadas em Bangladesh. Além disso, o governo aumento em 77% o salário mínimo para os profissionais da área – agora estabelecido em $68 por mês. Os números apontam ainda que mais de 70 marcas se comprometeram participar da campanha Detox do Greepeace, que consiste em eliminar os produtos químicos prejudiciais das cadeias de produção da moda. Juntas, essas marcas representam 15% da produção têxtil global.
O movimento Fashion Revolution no Brasil
Em 2017, o Brasil somou 225 eventos em 39 cidades durante a Semana Fashion Revolution. Desses 150 foram realizados dentro das 50 faculdades que seguem o movimento no país. O Brasil foi o país com o maior uso da hashtag #fashionrevolution, com 19% das menções mundiais, totalizando 4884.
Para 2018, a equipe brasileira anuncia duas novidades. A 1ª edição brasileira do Índice de Transparência da Moda – para analisar em que medida 20 grandes marcas estão divulgando publicamente informações de sua cadeia produtiva. E o 1º Fashion Revolution Fórum – iniciativa da equipe educacional que visa fomentar a pesquisa acadêmica. O Moda Sem Crise conversou com exclusividade com Fernanda Simon, coordenadora do movimento no Brasil, e com Eloisa Artuso, diretora educacional. Confira:
Moda Sem Crise: Em 2017 durante a Semana Fashion Revolution foram realizados 225 eventos espalhados por 39 cidades brasileiras. Para 2018 qual a expectativa de realização e envolvimento, uma vez que percebemos o quanto o Fashion Revolution Brasil tem avançado ano após ano?
Fernanda Simon: O movimento Fashion Revolution cresce de forma significativa a cada ano, tanto em número de cidades, universidades como no engajamento do público. Em 2017, por exemplo, tivemos eventos em 39 cidades brasileiras, neste ano o movimento está em 50 cidades e teremos ainda mais eventos. Uma outra novidade é a realização do primeiro Índice de Transparência da Moda do Brasil, que analisa grandes marcas nacionais de acordo com a disponibilização de dados públicos em seus canais. Também teremos o Fashion Revolution Fórum, iniciativa da nossa equipe educacional e que visa fomentar a pesquisa acadêmica. Dessa forma, o evento irá aproximar a academia do mercado de trabalho, gerando boas discussões. Este ano a campanha tem como tema “Cinco anos após Rana Plaza” e trata de assuntos como sustentabilidade e transparência é fundamental para garantirmos condições dignas aos trabalhadores. Vale ressaltar que educar os novos profissionais e mostrar o poder de decisão dos consumidores, como parte dos objetivos do movimento, trará um desenvolvimento ético e ecológico não só para o setor, como para toda sociedade.
MSC: O Brasil em 2017 registrou o maior envolvimento com a hashtag #fashionrevolution. A que se atribuiu esse envolvimento? O trabalho da equipe brasileira do movimento parece se destacar. Pode comentar um pouco sobre o engajamento brasileiro, tanto da equipe que coordena, quanto das pessoas que seguem o movimento aqui no país?
Fernanda Simon: Sim, o Fashion Revolution Brasil é um dos mais representativos no mundo, eu acredito que além da questão territorial do país, o brasileiro tem um enorme potencial de sensibilização e engajamento em causas nobres. A equipe núcleo, que coordena os representantes locais e a campanha em geral, trabalha em rede com o propósito de conectar sempre o maior números de atores possíveis. Além disso, já sabemos que a moda precisa de uma revolução e para esta revolução acontecer, todos precisam fazer a sua parte e o Fashion Revolution é a plataforma para fortalecer e dar visibilidade para aqueles que estão fazendo esta revolução de alguma forma.
MSC: E por falar em engajamento, não faz muito tempo vi um post em uma rede social do Fashion Revolution Brasil no qual fazia uma chamada para voluntários. Me lembro de ler comentários de gente achando o anúncio bastante absurdo. Não quero entrar na questão jurídica e trabalhista. Mas queria que comentasse sobre isso. Quantas pessoas hoje estão envolvidas nos trabalhos do Fashion Revolution Brasil – em São Paulo – e em todo o país. São todos voluntários? Como funciona essa dinâmica?
Fernanda Simon: Este post realmente foi bem polêmico, infelizmente houve um mal entendimento e má interpretação sobre o nosso trabalho. O Fashion Revolution Brasil é um movimento colaborativo onde todos os envolvidos trabalham voluntariamente, ou seja, sem nenhuma remuneração. Algumas pessoas da equipe, como eu, por exemplo, trabalham praticamente todos os dias e dedicam tempo e até dinheiro para fazer acontecer. Claro que é uma questão complicada, pois acreditamos na importância da valorização do trabalho e é exatamente por esta causa que trabalhamos, porém eu acredito que se não tiver pessoas com disponibilidade de “puxar esse barco” a mudança nunca acontecerá.
Em qualquer setor, começar um negócio, uma empresa e até uma ONG, não é fácil e durante os primeiro anos é exigido bastante investimento e dedicação. Nós estamos abrindo a ONG do Fashion Revolution e há tempos procurando investidores e outras fontes de receita, mas ainda não conseguimos.
Na nossa equipe cada um faz o que pode e dedica o tempo que der. Exigimos compromissos, mas pode ser um compromisso de um dia por mês, por exemplo. A maior parte do time são profissionais que tem um trabalho, mas se identificam com o movimento e por isso querem colaborar.
Vale ressaltar que somos extremamente organizados, temos uma equipe jurídica de advogadas voluntárias e fazemos tudo de acordo com a lei. Acreditamos e lutamos para que em breve o movimento se torne um Instituto onde todos os envolvidos sejam remunerados de forma justa. Enquanto não chegamos lá, incentivamos os que desejam (e podem) oferecer algumas horas de trabalho em prol da causa.
MSC: Qual a expectativa para a edição 2018 do evento, ano em que a campanha traz como tema “Cinco anos após Rana Plaza”. Olhando para o movimento global, o que destacaria como maior conquista do movimento Fashion Revolution? O que apontaria de transformação positiva em função do trabalho que realizam em todo o mundo?
Fernanda Simon: Na Semana Fashion Revolution, convidamos a todos para refletirem sobre a procedência de nossas roupas, questionar e exigir transparência. Não podemos mais aceitar que os direitos dos trabalhadores sejam negados, precisamos olhar para o que é prioridade: quem está por trás. Neste tempo, os avanços foram notáveis: Ano passado 2,5 milhões de pessoas se envolveram com o movimento. Mais de 100 mil pessoas questionaram #whomademyclothes 2.416 marcas responderam a hashtag e compartilharam informações sobre a sua cadeia produtiva. Mais de 150 grandes marcas publicaram onde são feitas suas roupas. Por ano, mais de 3.600 profissionais responderam #imadeyourclohes. Mais de 1.300 fábricas foram inspecionadas em Bangladesh desde a tragédia do Rana Plaza. O governo de Bangladesh aumentou em 77% o salário mínimo da área – agora são $68 por mês.
MSC: Na edição 2018 da Semana Fashion Revolution acontece a estreia do Fórum Fashion Revolution. Queria saber como surgiu essa iniciativa? Qual a sua relevância? E o que o movimento espera de resultados a curto, médio e longo prazo?
Eloisa Artuso: Todo ano nossa equipe educacional faz um balanço dos resultados de campanha e dos projetos e iniciativas desenvolvidos pelo Fashion Revolution ao redor do país, para assim enxergar os pontos altos, os baixos e as lacunas que ainda podem ser preenchidas. Percebemos então, que faltava uma plataforma que pudesse concentrar e fomentar exclusivamente a pesquisa e o desenvolvimento sustentável na indústria da moda. Além do caráter inédito, acreditamos que o Fashion Revolution Fórum tem um enorme potencial de expansão por abrir o diálogo entre academia, indústria, terceiro setor e sociedade, visto que podem participar, não só pesquisadores e acadêmicos, mas também organizações e outros profissionais. A reunião de iniciativas, pesquisas e debates mais aprofundados na área, pode trazer benefícios significativos para os negócios, bons resultados para os trabalhadores e maior lucidez para os consumidores. Quanto maior o número de informações de qualidade disponíveis, maiores as chances de atores-chave criarem estratégias mais eficazes e colocarem em prática novas políticas públicas, empresariais e mudanças de comportamento que possam afetar de maneira positiva as condições de trabalho no país. Centralizar, discutir e difundir dados relevantes e atuais podem, no futuro, ajudar ONGs, sindicatos, comunidades locais, marcas, fornecedores, governo, academia e sociedade a enxergar e articular mais rapidamente temas que envolvam direitos humanos e questões ambientais. É importante ressaltar que a união de diferentes vozes em um mesmo espaço tem o poder de unir a indústria, promover transformações sistêmicas e revolucionar a maneira como as roupas são produzidas e consumidas.
Semana Fashion Revolution 2018 – São Paulo
Em São Paulo, o evento principal acontecerá na Unibes Cultural, no dia 28 de abril, e contará com debates e mesas redondas sobre diversos assuntos, como a questão do trabalho escravo na moda, a representatividade da força de trabalho feminina e a transparência na indústria da moda.
Para a discussão deste último tema, será realizada a mesa “Vamos falar sobre transparência: Índice de Transparência da Moda no Brasil”, com o objetivo de conscientizar sobre a crescente importância de práticas mais transparentes no mercado da moda, e apresentar o projeto brasileiro do Índice, que será lançado oficialmente em outubro deste ano.
Outra novidade deste ano será a 1ª edição do Fashion Revolution Fórum, um projeto criado para fomentar a pesquisa sobre o desenvolvimento sustentável na cadeia produtiva de moda, por meio da apresentação de trabalhos acadêmicos, seguidos por sessões de debates.
Oficinas práticas acontecerão durante o dia todo, incentivando os participantes a fazerem suas roupas e a estarem mais perto de processos naturais e manuais, como o tingimento natural, tricô, crochê, entre outros. O evento também contará com a exposição “Quem fez minhas roupas?”, de looks com diferenciais sustentáveis; a exibição do documentário canadense “River Blue (2016)”, e opções de alimentação vegana.
Outros parceiros do movimento vão realizar ações durante a semana, como a Comissão de Direito da Moda da OAB-SP, o IED – Istituto Europeo di Design, as lojas multimarcas Goiaba Urbana e Damn Project, a marca Insecta Shoes e a Casa Jardim Secreto.
Serviço:
Semana Fashion Revolution 2018 SP (23 a 29 de abril de 2018)
Evento principal: dia 28 de abril
Horário: 11h às 20h
Local: Unibes Cultural (Rua Oscar Freire, 2500)
Programação: No evento no Facebook e mais informações na página do Fashion Revolution Brasil