21 • dezembro • 2017

Eu descobri


(Com carinho para minha amiga Deborah que está do outro lado do mundo, descobrindo)

Quando o ano de 2017 bateu na porta eu fiz um vídeo sobre como organizar a vida de forma que pudesse realizar os maiores desejos, além de uma lista com todos meus planos para o ano que iria começar. De 2015 para 2016 eu fiz um cronograma imenso que englobava: dieta, lista de livros a serem lidos, estudos a serem feitos, lugares para conhecer, mais um pouco de coisa para ler e etc. Em 2014 rabisquei em uma folha de papel alguns sonhos e metas. Em 2013, 2012, 2011…

eu-descobri

Foto: Pixabay

Final de ano sempre faz isso comigo: é como se eu fosse inundada de uma esperança fresca e me coloco a pensar o que eu quero de novo no ano que há de vir.

Mas, decidi que não farei isso comigo novamente.

Sim, não farei. Pois, quando me deparo com tudo aquilo que não passou de tinta no papel meu peito aperta e sinto vergonha. Frustração é o nome para esse sentimento: dar-se conta de coisas que queria ter vivido e não vivi

Um dos meus objetivos principais era começar a correr. Há alguns dias me dei conta que o ano passou e continuei caminhando. Não corri. Fiquei parada, apenas desejando colocar o tênis e sair por aí. Livre, leve e solta.

eu-descobri

Foto: Pixabay

Durante todos os dias deste ano que logo mais acaba, eu escolhi ficar.

O que me faltou para dar o primeiro passo?

Acho que não faltou nada. Mas sobrou muito. Sobrou pesquisa na internet para saber “como começar?”; sobrou pesquisa no Instagram para descobrir “como deve ser a minha passada?”; sobrou visita na rede social alheia para admirar as pessoas que realmente corriam. Sobrou preguiça também; sobrou vergonha de sair correndo por aí sem ter um corpo atlético. Sobrou muito brigadeiro com bolacha

Em 2017 sobrou muito desconforto aqui dentro. Muitas dúvidas, muitos medos, muita solidão, muita raiva. Não me lembro de ter me sentido assim em nenhum outro momento da minha vida. Eu sei que existe a crise dos 40, mas já me questionei se não existe a dos 36...

Em 2017 eu descobri que o vazio tem tamanho: o tamanho do meu peito.

eu-descobri

Foto: Pixabay

Eu também precisei aceitar a verdade de pessoas que eu amo. Mesmo, quando essa verdade é feia e reverbera em mim muita dor e lágrimas.

Em 2017 eu descobri que já expulsei muitas pessoas da minha vida por medo do julgamento do outro.

Em 2017 eu senti medo do tempo que passa. E como tem passado rápido… A sensação é que todos vivem, e eu continuava ali, parada.

Em 2017 eu precisei lidar com escolhas que eu fiz há sete anos atrás e que hoje são tão difíceis de compreender.

E descobri que boicoto a felicidade do cotidiano na ilusão de viver coisas “maiores”.

Em 2017 eu não corri. Continuei sentada, algumas vezes caminhando, mas boa parte do tempo sentada querendo entender porque “aqui dentro” estava tudo tão confuso e barulhento.

E um pouco antes do ano encerrar as suas atividades, eu descobri: que tudo bem!

Tudo bem sentir. Tudo bem doer. Tudo bem chorar.

Tudo bem preferir brigadeiro.

Tudo bem ser como um mar revolto, amar e odiar com a mesma intensidade.

Tudo bem preferir a solitude do que a multidão.

Tudo bem gostar de camiseta furada mas querer uma Celine de presente de Natal.

Tudo bem gostar de orgânicos, mas não resistir ao pacote de bolacha recheada.

Tudo bem trocar um livro por uma série na Netflix.

Tudo bem trocar de ídolo intelectual.

Tudo bem não saber tudo.

Tudo bem esquecer das teorias que sabia de cor e salteado e agora precisa do Google para dar “um refresh”.

Eu descobri que sou feita de contradições, perfeita em minhas imperfeições, que sou demasiadamente humana. E é por isso que está tudo bem.

Eu descobri que não preciso mais ficar brigando comigo mesma por não sentir como todo mundo sente e não fazer como todo mundo faz. E assim eu aprendo a silenciar a “culpa” e viver da graça.

2017 não foi um ano de realizações visíveis a olho nu. Mas, aqui dentro… Ah, aqui dentro muita desconstrução e re-invenção. Coisas que não estavam na minha lista e nem no meu vídeo, porque eu mesma não sabia que era necessário mergulhar tão profundo…

Faltam poucos dias para 2017 terminar e eu sigo sem listas, sem grandes planos. Quero mais dos “meus pés no chão”. Quero a beleza de cada dia e um dia de cada vez.

Quero seguir aprendendo a amar aquela que habita aqui, porque eu descobri que não adianta continuar querendo ser outra coisa em outro corpo. É simples: não dá!

Mas, uma coisa da lista do ano velho eu ainda quero: eu quero correr. E por que eu continuo querendo?

Por que eu descobri que calçar os tênis exigiria de mim um ato de generosidade comigo mesma: abrir mão de verdades antigas e deixar ir o que não me serve mais. Agora, estou pronta. Posso ir, livre, leve e solta.

Dica da autora: Desde o momento que decidi colocar no papel questões tão pessoais e compartilhar com vocês, uma frase não me sai da cabeça: “Seja gentil com você mesma”. Eu declamo essa frase para muitas pessoas, mas descobri em 2017 que eu precisava era declarar para mim mesma.

Essa frase é do livro “Comer, Rezar e Amar” (Elisabet Gilbert). Li o livro há muito tempo, gostei muito e para não indicar Clarice novamente (porque sem dúvidas é com os textos dela que mais me identifico), achei que seria boa trazer para nossa conversa uma história que fala sobre autoconhecimento, escolhas, liberdade, amor…


Fabiana Nicolau Seraidarian

Fabiana Nicolau Seraidarian

>>> Fabiana Nicolau Seraidarian é graduada em História pela Universidade do Vale do Itajaí, especialista em História Social pela Universidade do Estado de Santa Catarina e mestre em História da Educação pela Universidade de São Paulo. A História é o seu amor mais antigo. Sempre gostou de pensar o presente dentro de uma perspectiva histórica: como nos tornamos o que somos? Ela acredita que um olhar histórico nos tira do campo do óbvio e nos lança sobre o chão da crítica, da análise, do questionamento, abrindo assim caminho para re-invenções de nós mesmos e do mundo. Desde que virou “do lar” a pia da cozinha, a tábua de passar e o fogão nunca mais foram os mesmos. Vestida de dona-de-casa é que trava os maiores debates filosóficos e históricos sobre si mesma, sobre as mulheres, os homens, sobre a educação, sobre gênero. Bem ali no meio da cozinha ou diante do ferro de passar ela é tomada pela realidade e tudo se torna objeto de análise dessa sua mente que não cansa de historiar. E é esse o chão que ela pretende trilhar como colunista do Moda Sem Crise: falar do que toca, do que incomoda, do que faz sorrir, do que faz chorar, do que faz gritar. Falar da vida, do cotidiano, das mulheres, dos homens, das crianças, da escola, das vestes, do belo, do feio – história da gente, de gente. Fale com a Fabi | E-mail: nicolau.fab@gmail.com



Comente pelo Facebook

Ou comente por aqui:

• Instagram •

Follow @modasemcrise

Moda Sem Crise • todos os direitos reservados © 2024 • Logotipo por Marina Takeda • Desenvolvido por Iunique • Studio Criativo

Newsletter

Receba no seu e-mail as atualizações do Moda Sem Crise! É só assinar aqui: