10 • abril • 2018

Calçados: Dos resíduos da produção aos resíduos dos sapatos velhos


Comecei pensando nesse texto querendo que ele fosse um guia para o descarte correto de calçados. Criar um guia é algo que quero fazer há um certo tempo. Mas achar lugares e buscar informação não é uma tarefa tão simples assim. Então, acredito que o guia ainda será construído, mas num futuro próximo provavelmente.

Hoje, diante de todas as possibilidades que achei, e olha que minha busca por alternativas é constante, percebi mais uma vez que não adianta, apenas termos alternativas de descarte, se não consumirmos menos. O que o ser humano precisa é saber mostrar quem é, muito além das roupas ou outras coisas que usa, assim, precisaremos cada vez de menos.

Você já parou para pensar em todo descarte oriundo da produção e uso de calçados? – Arte Mariana Iannuzzi/Espaço Mariti – Foto: Marcela Fonseca

Buscamos alternativas para o descarte do que compramos, sem pensar na geração de resíduo que o produto que compramos já teve. No caso dos calçados por exemplo, o resíduo não é apenas depois que seu sapato está velho, sem condições até mesmo de doação, antes disso, para a sua própria produção, jã foram gerados na média 133 gramas de resíduos, oriundos apenas de um único par, ou seja, são 133 mil toneladas de resíduos produzidas anualmente. Levando a nível mundial, estamos falando de 2,6 milhões de toneladas de resíduos gerados apenas da produção de calçados. Por isso devemos pensar muiiiiito antes de tirarmos um parzinho das prateleiras, e buscarmos ter o essencial, pra tudo!

Além do resíduo gerado nessa produção, temos os sapatos que são produzidos muito acima da demanda que possuem. E todo ano são incinerados porque, simplesmente, a indústria não os vendeu.  No Brasil, o número é de 91 milhões de sapatos que ficam sem ser vendidos todo ano. Se somamos isso aos resíduos gerados para produzir e aos resíduos que nossos calçados velhos representam, qual será o número exato de lixo que estamos produzindo no mundo apenas com o consumo de sapatos?

Portanto minha gente, não é que não adianta buscarmos uma solução para reciclagem e logística reversa. Nós, meros mortais nem sempre vamos achar a solução pra tudo. E se a indústria não se posicionar, nossos esforços terão valido a pena apenas por ficarmos de consciência tranquila com aquilo que acreditamos.

Mas o mundo continuará sendo poluído e muitas pessoas continuarão achando “bonitinha” aquela propaganda que a indústria da marca tal está fazendo para promover sua marca. Não adianta as empresas pensarem apenas em cuidar dos sapatos velhos de seus clientes, se a matéria-prima que ela utiliza na produção for de origem não renovável, ou se o design dos seus calçados não for pensado para a menor geração possível de resíduos.

É claro que devemos apoiar quando alguma ação é feita. Quando uma marca lança uma linha de produtos sustentáveis, ou um programa de logística reversa, porque eles precisam ver que há uma grande possibilidade de lucro nesse segmento ( já que tudo se baseia nos lucros pras elas ). Mas nós, consumidores precisamos questionar mais. E entender quais empresas realmente possuem um posicionamento ético e sustentável (provavelmente serão os artesãos) micro e médias empresas, pois vamos combinar, as grandes companhias, só fazem transformações em sua cadeia produtiva, quando sentem a necessidade do mercado, como a mudança do uso do couro por algumas grandes marcas, que agora estão utilizando o sintético.

Esse posicionamento não é algo intrínseco, é apenas uma mudança de acordo com as novas exigências dos próprios consumidores, mudança motivada por lucro e não ideal e responsabilidade.

Se não houverem leis de incentivo que criam subsídios e incentivos a projetos sustentáveis dentro das empresas, que diminuam os impostos de componentes que encarecem o custo do sapato, e faz com que as empresas optem por produzir sapatos de baixa qualidade que possuem mais de 50 componentes diferentes por par, dificultando a reciclagem e diminuindo o tempo de vida útil dos calçados, e também penalização a empresas que não fazem o descarte adequado de seus resíduos.

Como no caso de Jaú por exemplo – quem anda pela cidade encontra constantemente couro e outros componentes descartados na própria rua, pois as empresas não querem ter que arcar com os custos de levarem seus resíduos ao aterro mais próximo da cidade, que fica a 100 km da região.

Se nada disso for feito, nem penalidades nem incentivos governamentais, elas tomarão iniciativas apenas de acordo com a necessidade. Se os lucros diminuírem, tentam algo novo voltado pra sustentabilidade, criam uma campanha falando que estão criando um tênis feito com plástico reciclado do mar, como é o caso da Adidas, ai criam engajamento em volta disso, como se fossem uma empresa super responsável, mas continuam produzindo a maior parte de seus calçados com produtos não renováveis nem reciclados, e trocando pessoas de sua produção, por máquinas que produzem sozinhas, o equivalente há sei lá quantos funcionários juntos.

Apesar da Adidas também estar se tornando uma das referências no combate ao trabalho escravo, após diversas denúncias e polêmicas, será que o ideal, não é consumir de uma empresa menor, local, e feita por pessoas de onde você consegue realmente ver seus rostinhos e que tenham a responsabilidade ambiental e social como algo que nasceu com a marca?

Então depois de você consumir dessa marca local e responsável da sua cidade, e usar muiiiiito seu sapato, a ponto de não dar nem para doá-lo (lembrando também que não podemos fazer da doação um escape para o descarte de nossos calçados velhos, passando apenas a responsabilidade de descarte do nosso lixo para outra pessoa), não é justo né? Além de ser muito feio viu!

Daí então, chegamos ao ponto o início do texto.  Qual seria o descarte ideal para o sapato velho que já não dá nem pra ser doado nem restaurado (porque já foi). Sinceramente, não sei. Ainda não há alternativas a não ser comprar de marcas de recebam seus próprios calçados de volta, para que elas os desmontem e utilizem o que for possível numa nova produção, e enviem às indústrias responsáveis, os resíduos possíveis de serem reinseridos na cadeia produtiva, como o E.V.A e o plástico por exemplo. Mas muitas outras partes vão parar nos aterros mesmo.

No Brasil, atualmente, temas a Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couros, Calçados e Artefatos (Assistencal) que realiza em conjunto com a Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), o Selo Origem Sustentável, um programa que visa incentivar as empresas do setor a adquirirem uma postura mais ética dentro dos pilares ambiental, econômico, social e cultural.

O programa conta com cinco categorias que seguem uma escala segmentada por cores, onde o  branco e  bronze são empresas que se auto-declaram sustentáveis. Já as categorias prata, ouro e diamante, são auditadas pela pela System & Service Certification (SGS) e a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Os benefícios que o programa trás estão relacionados a imagem positiva que as empresas passam ao consumidores e o mercado internacional, em relação ao mercado brasileiro calçadista, aumentando as chances de exportação dos nossos produtos e o alinhamento dos padrões de sustentabilidade exigidos no mercado internacional por meio de entidades como o Worldwide Responsible Accredited Production (WRAP); Higg Index, Global Reporting Initiative (GRI) e outros reconhecidos internacionalmente, mais informações vocês podem ver no site www.origemsustentavel.org.br.

Procurando alternativas para tornar a Rabble uma marca pioneira na solução da coleta e administração de resíduos, não apenas de seus próprios calçados, mas também recebendo calçados de outras empresas, encontrei a Terracycle, uma empresa especialista em soluções de resíduos de difícil reciclabilidade, presente em mais de 21 países.

Percebi que eu – enquanto artesã e dona de uma microempresa – não tenho condições nenhuma de desenvolver um projeto com uma empresa que da suporte apenas para grandes indústrias, onde o contrato mensal médio é de R$ 100 mil por mês. Logo que tive essa resposta da Terracycle, me senti uma pateta. Eles devem ter imaginado: “Quem é essa louca que quer reciclar sapatos?” Maaas, com certeza uma grande marca poderia criar essa iniciativa!

Mas vamos lá. Você ainda está querendo que esse texto te dê alternativas de descarte não é mesmo?

Então, caso queira doar sapatos que estão em bom estado, vocês podem dar uma pesquisada no site eCycle. Lá eles indicam diversos lugares que aceitam receber, além da opção de customizar os próprios calçados, ir ao sapateiro com mais frequência.

E eu, enquanto artesã, e indignada com a falta de opções de descarte, disponibilizo o trabalho de transformação de calçados através da customização avançada, onde eu unifico o trabalho de conserto a ressignificação da peça. Se você não é apt@ do “faça você mesmo” , fala com a Rabble. Esse trabalho de transformação é feito em qualquer sapato, mesmo que não seja da marca. Além disso, a Rabble vai oficializar a responsabilidade pelo recebimento e descarte correto dos sapatos produzidos pela marca, então a cada sapato Rabble, que você enviar de volta, receberá um desconto de 10% para a aquisição de um produto novo, ou, caso esse sapato possa ser transformado e se tornar novo de novo, você terá a opção de escolher ganhar o percentual de 10% assim que a venda do sapato for realizada. Olha que coisa boa?!!!

Rabble disponibiliza serviços de customização avançada para calçados independente de terem sido produzidos pela marca – Fotos: Divulgação Rabble

E se você conhece alguma outra iniciativa de reciclagem de resíduos de sapatos, conta pra gente por favor, a troca de informações é sempre bem vinda.


Monique Brasil

Monique Brasil

>>> Monique Brasil é graduada em Design Digital pela Universidade Metodista e tem formação pedagógica em Artes pela Faculdade Paulista São José. Sua experiência profissional inclui criação e gestão de marcas. Especialista em branding, por quatro anos transitou entre as áreas de Trade Marketing, em multimarcas de bens de consumo. Mas foi com a moda e, principalmente, com os calçados, que se encontrou profissionalmente. Formada também em Desing de Calçados pelo SENAI, a artesã é proprietária da Rabble, marca de calçados com foco no uso de resíduos. O projeto valoriza o comércio justo e a sustentabilidade. E é seu objetivo conscientizar pessoas sobre produção e consumo. Aqui no Moda Sem Crise, Monique assina a coluna Sapateirar de publicação mensal. Espaço onde compartilha sua jornada como consumidora e empreendedora no mercado brasileiro de moda. Fale com a Monique | E-mail: rabbleshoes@gmail.com



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